O Jornal "Estado de Minas" mostra série de reportagens sobre Lagoa Santa. Acompanhe as matérias do jornalista Paulo Lobato sobre a história do município, os desafios, estudos e perspectivas da cidade considerada o "Eldorado de Condomínios" do Vetor Norte.

DE PARAÍSO NATURAL A ELDORADO DE CONDOMÍNIOS

Localizada no chamado Vetor Norte e reconhecida primeiro pelas águas medicinais e depois pelo tesouro arqueológico, Lagoa Santa vê riquezas naturais serem devoradas pela urbanização

Paulo Henrique Lobato

Jair Amaral/EM/D.A PRESS

Cidade, cuja origem é atribuída à descoberta da lagoa, há séculos, se emancipou em 1938 e somente agora atingiu os 45 mil moradores, mas prefeitura estima que esse número vá dobrar em menos de 10 anos.

Os mais antigos contam que um tropeiro, de nome Felipe Rodrigues, chegou a uma área dominada pelo cerrado, pelos idos de 1730, e se banhou num imenso lago. A água lhe aliviou as fortes dores e cicatrizou as feridas das pernas. A notícia se espalhou e atraiu peregrinos de todas as bandas. Foi o início do povoamento do arraial que, séculos depois, cresceu e se transformou em uma das principais cidades da área hoje conhecida por Região Metropolitana de Belo Horizonte. O nome dela não poderia ser outro: Lagoa Santa. Rica em belezas naturais, como a Gruta da Lapinha, atraiu levas de pesquisadores, no rastro do trabalho pioneiro do paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880). Por motivos bem diversos, também foi o destino de milhares de famílias que se mudaram para lá, principalmente nas últimas três décadas, em busca de sossego.

Porém, toda essa procura não deu origem apenas a belas histórias. A pressão populacional no período engoliu parte expressiva da cobertura vegetal da cidade, como mostra o estudo (Re)organização espacial do município de Lagoa Santa /MG, comparando dados do uso e ocupação do solo entre 1977 e 2007 %u2013 dissertação da geógrafa Maíra Patrícia Fernandes Campolina, de 25 anos, defendida no programa de Pós-Graduação em Geografia e Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas, sob orientação do professor Alexandre Diniz. Ela diz que o texto é importante para auxiliar nas discussões sobre o aumento da população na região, principalmente em um momento no qual a pressão urbana deve a crescer a taxas nunca antes vistas. O chamado Vetor Norte, no qual se inclui a cidade, tende a ser alvo da nova febre de adensamento populacional na Grande BH.

A prefeitura estima que o total de moradores de Lagoa Santa, hoje com 45 mil habitantes, vá dobrar em menos de uma década. Há vários motivos para a migração, como o centro administrativo, que está sendo levantado no eixo norte de BH, e o desenvolvimento no entorno do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, impulsionado, entre outros motivos, pelas obras da Linha Verde, via expressa que liga o Centro de BH ao terminal. A pesquisadora se debruçou sobre dados do poder público e imagens de satélite para comparar a ocupação e uso do solo do município. De posse dos dados, elaborou mapas que mostram a evolução populacional e mudanças na área abrangida pelo cerrado, bioma característico da região.

A pesquisa constatou que a área ocupada por essa vegetação representava 17% do território de Lagoa Santa em 1977. Trinta anos depois, caiu para 6,4%. Já o campo cerrado, subespécie com cobertura vegetal mais baixa, passou de 43,5% para 26,36%. No caso da mata ciliar e galerias, a queda foi de 4,81% para 2,79%. Por outro lado, devido à explosão dos condomínios e o surgimento de bairros e vilas, a área urbanizada saltou de 4,9% para 16,9%. O terreno destinado à agropecuária também cresceu: de 13,1% para 23,9%. %u201CSeguindo o curso dos avanços na área de infraestrutura e logística, a alta valorização dos imóveis, a proliferação de condomínios fechados e a implantação de grandes empreendimentos acabaram por reforçar o conflito estabelecido no município e resultante da coexistência entre áreas de preservação e de expansão residencial, comercial e industrial. (...) Pressões sobre o sistema ambientalmente frágil do município são crescentes, à medida que evoluem e se alteram as formas de utilização do solo e de produção do espaço metropolitano%u201D, diz.

De fato, o avanço urbano traz reflexos para o dia-a-dia dos moradores, demanda respostas do poder público e divide opiniões entre os que defendem as vantagens econômicas do progresso e os que se preocupam com suas consequências. Uma polêmica com implicações diretas sobre o ambiente de uma região cujas características naturais únicas permitiram a preservação de fósseis que tornaram o nome Lagoa Santa conhecido mundialmente.